quinta-feira, 12 de abril de 2007

Carta à Tomaz

Bebê,

Essa cartinha é pra você que não passa ainda do tamanho de um grão de feijão (como seu pai carinhosamente te chama) na minha barriga, mas que já provocou uma reviravolta tão grande na minha cabeça, no meu corpo, nos meus sentimentos... Pra você saber, ainda é estranho eu falar “sua mãe”, se refereindo a mim, ou falar “seu pai” se referindo ao mesmo que até pouco tempo era meu namorado. É bebê, somos três, mesmo você estando escodidinho aí em mim, mesmo você existindo ainda de forma tão etérea (e, paradoxalmente, tão visceral) em nossas vidas. Cada dia que passa você toma mais forma. Forma em tudo que significa nossa vida, minha e do seu pai. Além do seu corpo que está se desenvolvendo dentro do meu, é claro. Me assusta, quero começar já sendo sempre sincera com você. A gravidez é um estado no qual a mulher precisa ter uma relação bem bacana com seu próprio corpo, sabe? E isso é tudo que eu, sua mãe, nunca tive. Chegou a hora, né? Ela sempre chega. Mas sempre que chega a hora de qualquer mudança na vida, dá um medinho... no caso da mãe meio doida que você arranjou, um medão. Penso em tanta coisa bebê! Tenho tanto o que aprender, ou melhor, tanto que já foi aprendido também, mas não posto em prática. Ah, preciso te avisar mais uma coisa: além de meio maluca, você também achou de cair logo na barriga de uma mãe preguiçosa. A verdade é que eu já queria ser menos medrosa há tanto, tanto tempo... Mas isso não é tarefa fácil, não pra mim, pelo menos, e daí a preguiça bate na porta e entra sem cerimônia. Fico protelando até onde eu posso qualquer mudança. Talvez por isso tenha sempre que sofrer muito para que elas aconteçam. Agora, infelizmente, talvez eu faça você sofrer também nesse processo. Espero que você possa me perdoar já de saída. Mas como diz seu pai “nós perdoamos nossos pais, e você pode perdoar a gente tembém”. Enfim, só estou querendo dizer que nenhum relacionamento baseado em culpas presta, na minha opinião. Então, espero que o nosso também já não comece assim. Por isso pedir desculpas é sempre legal, bebê. Sempre. Perdoar sempre é legal também. E, acredite, mais legal pra quem perdoa do que pra quem é perdoado. Pelo visto eu já perdi o fio da meada dessa cartinha. É assim que anda minha cabeça mesmo esses dias. Fiquei imaginando aqui agora que essa parecia uma daquelas cartas que a mãe deixa e morre após o parto, daí o filho só a conhece através dessas palavras... pra você ter uma amostra de como sua mãe é capaz de ter os pensamentos mais diversos e com uma “leve” tendência hipocondríaca. Ah, mais um aviso: mãe hipocondríaca, muito prazer. Sim, é verdade e é um saco daqueles bem grandes, eu sei. Espero mudar, ou pelo menos não passar isso para você. Aliás, se eu puder, bebê, quero te passar tudo que te dê muita coragem nessa vida. Se eu puder quero que você entenda desde muito cedo que a morte faz parte da vida, mas que você pode correr atrás dos seus sonhos substituíndo o medo da morte pelo desejo de viver. E viver é mais que manter funcionando um coração, um cérebro e sangue correndo nas veias. Viver tem a ver com sonhos, com essência da sua vontade que é só sua e de mais ninguém, muito menos minha ou do seu pai. Viver tem a ver com não pensar na morte, sem fazer esforço algum pra isso, simplesmente porque não se tem espaço para as duas matérias ocuparem esse mesmo lugar no espaço e no tempo. Se você deseja uma coisa e não tem medo do que você pode perder para conquistá-la, então você escolheu a vida e não a morte. Eu espero que você sempre escolha a vida, meu bebê. Igual você escolheu quando resolveu fecundar em um contexto tão improvável. Ah, mais um aviso: você não foi planejado (a). Não enxergue isso com maus olhos. Na minha percepção, ao menos, isso é um sinal de que você já é um guerreiro (a), já apareceu nesse mundo assim. E isso é tão o que eu desejo pra você, bebê! Não quero te proteger de tudo, quero te ensinar a se proteger, se preciso e a se jogar e se arriscar se valer à pena. Quero que você saiba correr atrás do que você quer e que você não tenha medo ou peguiça, ou se sinta impotente diante do trabalho que isso vai dar. Tudo que é bom dá trabalho, bebê. Isso foi o que sua mãe percebeu ao longo desses trinta e dois anos antes de você aparecer. Em um filme que eu adoro, o ator fala que ele veio sem ser planejado, nem desejado (coisa na qual sua mãe não acredita. Para mim, toda gravidez é desejada consciente ou incoscientemente) pelos pais. E disse que esse fato dava a ele a sensação de “estar no mundo de penetra”. Tenho muitos pensamentos sobre essa fala e gosto da idéia, mas deixo em aberto para que você possa ter os seus próprios sobre ela... Enfim, todos esses pensamentos que pulam em minha cabeça não pretendem serem recebidos como nenhuma verdade, como se sua mãe fosse a voz da experiência, ou de sapiência. Não mesmo, bebê. Sua mãe, aliás, é uma constante dúvida ambulante. Duvido de tudo, duvido do que eu penso nesse minuto que pode já não ser no minuto seguinte. Só acredito nos meus sentimentos porque esses são reias, ao menos no momento em que existiram, mesmo que se transformem com o tempo, porque me parece que o tempo pode mudar tudo, sempre. E nesse momento o que eu tento escrever pra você é muito mais o que eu sinto do que o que eu acho. Prefiro sempre dizer que eu sinto que uma coisa é de determinado jeito e não que eu acho que ela é, muito menos ainda dizer que alguma coisa é, categoricamente falando. Nessa minha cartinha, tento estabelecer um laço com você de vida. Porque, na minha opinião, qualquer produção é vida. E aqui estou eu, escrevendo no lugar de ficar em pensamentos perdidos sobre nós três e sobre essa relação com meu próprio corpo que eu passo a ter com você crescendo nele. Escrevendo, produzindo, organizando pensamentos que eu tento, de alguma forma, direcionar para tudo o que eu desejo pra você: vida, coragem, sonhos, desejos e muita energia pra trabalhar por tudo isso. Tanto que eu ainda quero colocar nesse papel, não sei se pra você ou pra mim mesma. Talvez eu faça um “diário de bordo” da gravidez. Acho que pode ser um projeto interessante e saudável. O diário não será endereçado a você, como essa cartinha, mas vai existir por sua causa, por minha e por causa do seu pai. Vai existir por nós, isso vai. Por enquanto fico por aqui, até porque a preguiça de elaborar começa a tomar conta, ou será que é porque talvez a elaboração seja um processo sem fim e é preciso que alguma coisa estabeleça seu limite? Viu? Mais material para elaboração, ufa! Bebê, tenho muito medo de tudo que eu posso perder tendo você, inclusive você, mas te desejo muito mais que tenho medo de qualquer coisa. E o que mais me motiva a ser guerreira e não suncubir a medo nenhum é justamente o fato de eu querer que você sinta isso, que foi o desejo que fez sua mãe encarar o medo e que é desse desejo que veio você.

Com amor,
Sua mãe.