Ainda no início da minha adolescência, lá para os 15 anos, tinha muitas brigas com o meu pai que não me deixava ir para quase programa nenhum com minhas amigas. Era uma época em que shows no espanhol (clube) eram freqüentes e todo mundo (pelo menos o meu mundo) ia. Quando eu estava na casa da minha mãe, o impedimento de ir para tais programas era só grana (como minha mãe era classe média - média mesmo – na época, eu podia ir para a maioria das coisas pagas sim), já na casa do meu pai, a história era outra. Meu pai sempre achava que eu não tinha idade para freqüentar quase nada do que todo mundo da minha idade já tava careca de ir. Um dia, uma briga feia. Nesse dia, minha madrasta me chamou no quarto para conversar. Disse que eu estava ficando muito alienada querendo só ir para esses shows, carnaval, etc. Fiquei magoadíssima. Não era suficiente eu não ir, mas eu deveria me sentir péssima por querer ir. Isso não mudou muito as coisas não. Continuei indo pros tais shows alienantes (que são mesmo rs). Me diverti muito, vivi muitas coisas próprias da minha idade, fui pro mundo enfim. E, na verdade, o show pouco importava é claro. O que eu, como toda adolescente, queria era socializar, ter amigos, ficar, namorar, amar, e tudo o mais. O tempo passou. Minha irmã mais nova (nove anos), filha do meu pai com minha madrasta, cresceu, entrou na adolescência e adivinhem? Também queria ir pra shows alienantes, era fã de Sandy e Jr. e queria sair tanto ou mais do que eu. Viu só?
Minha madrasta é um ser humano maravilhoso e uma das pessoas mais incríveis que já conheci na vida. Quando ela me chamou atenção para o fato de eu estar me alienando, fez com a melhor das intenções. Ela acreditava que estava ajudando a me educar e a me tornar uma pessoa melhor. Ela apenas não convivia comigo no dia-a-dia para entender o processo pelo qual eu estava passando (eu só ficava com meu pai alguns finais de semana). Todo mundo tem muitas opiniões sobre o que deve ser feito da vida do outro, principalmente quando se está de longe. Aliás, parece que quanto mais longe o outro está mais é fácil opinar sobre a vida dele. As sentenças tão cheias de certezas sobre a minha vida são desprezadas proporcionalmente à distância que o interlocutor em questão tem dela. Me irrita um pouco quando as ouço, devo confessar. Mas me irritam o mesmo tanto que não me servem para nada. Quem sempre conseguiu me ajudar com palavras, conselhos e idéias sobre mim, sempre foram aqueles que estavam pertinho, vivendo comigo alguma história, ou convivendo comigo em meu cotidiano. Felizmente o tempo é generoso com quem está aberto a aprender. Nada como o tempo para trazer sabedoria às nossas experiências. A gente se depara em situações que a vida nos coloca exatamente no lugar em que um dia julgamos alguém, como se dissesse: “vai aí, faz diferente agora”. Muitas vezes, em um momento como esse, temos atitudes idênticas ou iguais àquelas que um dia condenamos no outro. Sempre que me sinto injustiçada no julgamento alheio, penso no tempo. Lembro desse episódio com minha madrasta e mantenho a fé. E fico feliz quando penso que hoje eu admiro ainda mais ela (minha madrasta) quando percebo que ela foi totalmente capaz de ser flexível na educação dos meus irmãos justamente porque ela estava ali, próxima, olhando para eles e não para o que era “o certo” a fazer. Nós duas já tivemos posteriormente as melhores conversas justamente sobre essa coisa de julgar, ou opinar, sobre a vida dos outros. Hoje, tenho muito cuidado quando penso em “achar” algo sobre a vida de alguém, mais ainda que isso, tenho me obrigado a ser sensível o suficiente para não sair dizendo a pessoa o que eu por ventura vier a achar. Não concordo em nada com quem se arvora sinceridade ao dizer o que acha dos outros ou da atitude dos outros “na cara”. Para mim, isso não é mais do que pretensão burra e falta de generosidade. Não se acrescenta nada a ninguém assim. Quem quer ouvir algo, pergunta. E pergunta a quem vai poder realmente ajudar na resposta.
Vai um trecho escrito por Maffesoli que se aplica:
“Nada pior do que alguém querendo fazer o bem, especialmente o bem aos outros. O mesmo se aplica aos que ‘pensam bem’, com sua irresistível tendência a pensar por e no lugar dos outros. Encouraçados em suas certezas, eles não têm espaços para dúvidas. E é claro não apreendem a complexidade da vida”.
Eu sei que sou uma pessoa difícil... pelo menos minha mãe sempre me disse que sou.
... devo ser mesmo.