quarta-feira, 22 de julho de 2009

e o amor, quem prescreve?

Assim como dizem que médicos que lidam com sangue e cirurgia têm um “quê” de açougueiros, penso que o lado sombra dos analistas (pelo menos os lacanianos) goste de exercer a arte da crueldade. Você chega em busca de ajuda, sai da análise se sentindo pior do que entrou e se vê de repente pensando que se desistir disso tudo é resistência e você precisa vencer isso. O analista está lá, te ouvindo, cara a cara com sua angústia e simplesmente cutuca ainda mais a sua ferida. E ele está fazendo isso “para te ajudar”...

Ontem liguei para uma analista que tive referência aqui para pedir uma indicação (uma opção bem mais barata que ela, é claro). Contei a história que me fez sair da indicação anterior dela e pedi que me indicasse alguém menos ortodoxo. Ela me respondeu que ela era muito correta para fazer isso. Que em Lacan não havia acolhimento, que a transferência deveria ser feita pelo ódio mesmo, já que o amor era perigoso e podia criar dependência...

Penso eu: isso é grave! Que lugar é esse que até os analistas estariam reservando ao amor? É disso que se trata? Um sentimento que, ao contrário de construtivo, é perigoso e causa dependência?

Eu que sempre fui muito incrédula, muito cheia de dúvidas, pessoa de pouca fé, digamos assim, só tinha uma estrela guia que me servia. Eu acreditava (ou ainda acredito?) no amor... Com o passar do tempo, as experiências, os relacionamentos, quase desacreditei, mas na verdade só fiz uma reformulação na minha forma de enxergar o amor. Antes eu via o amor de uma forma mais romântica (no sentido mais cafona de romance), de uma forma mais ingênua, mais mágica. Era interessante, mas não me serviu no mundo. Me fez sofrer e quase abdicar da minha crença nesse tal amor. Mas antes, entendi que o que eu via, o que restou depois do desencanto, ainda era amor. Era mais maduro, mais crítico, menos carente do outro, mas ainda assim amor. Era amor mesmo quando doía ou fazia doer. Era amor como quando eu brigo com meu filhote de dois anos e, na hora, é raiva mesmo, mas é puro amor. Não sei se me farei compreender, mas é raiva instrumental se alguém for capaz de entender. Acredito na raiva instrumental, no desprezo instrumental e no sadismo instrumental. E acredito que se não houver rancor, orgulho e nenhum distúrbio emocional, o que resta desses bichos instrumentais, é só amor.

Agora, me pego com essa afirmação da tal analista e sem saber direito o que pensar dela. Vou repeti-la no texto para vocês, para o conjunto do que está escrito e, principalmente, para mim: “A transferência em Lacan deve ser feita pelo ódio. O amor é perigoso e pode causar dependência”. Nesse meio, ela me disse também que não concorda com a sedução em entrevistas de analise. Até entendo o que ela quis dizer e os motivos. Também já me questionei muito sobre sedução, principalmente quando trabalhava com publicidade. Achava a sedução manipuladora e, portanto, “a malvadona da parada”. Com minha reformulação da visão de amor comecei a me achar muito purista. Como se o amor se tratasse de uma verdade maior que não pode ser maculada por nenhum sentimento inferior, principalmente qualquer manifestação da mentira. Isso me parece hoje ingenuidade. Hoje eu acho que no amor tem tudo, inclusive a mentira. A sedução me parece mais uma linha de costura que desenha o corte, junta retalhos, cose todo o tecido, mesmo quando está escondida. Acho que a frase “tapa de amor não dói” vem justamente da nossa tendência a manter o amor em uma espécie de altar. Qualquer tapa dói, mesmo de amor. Isso não significa também que onde haja dor não possa haver amor. O amor pode ser sagrado e mundano ao mesmo tempo e ainda assim vai continuar sendo o mesmo amor.

Mas voltando a analista, então com o ódio não há sedução. Fica a pergunta: por que a pessoa volta então? Masoquismo? Seja qual for o laço que fisgou esse paciente, não foi ainda assim sedução? Será que ela está certa? E quanto a minha crença no amor, é pura fixação minha? Tem alguma coisa que eu não to vendo nisso? Por que raios eu acredito até em análise com amor se o diabo da analista que estudou Lacan anos diz para mim que a transferência é pelo ódio? O amor não funciona?

Vou estar aberta para esse pensamento de agora em diante. No entanto, hoje, o que eu ainda acho é que transformar o amor em tarja preta não é a solução também. Ainda sou muito cristã e não sei, ou fui eu que pichei nos muros de São Paulo “O amor é importante, porra!” e não sei também. Mas espero que Jesus esteja certo e o carinha dos muros também. Essa frase foi pichada em vários locais, mas eu vi a primeira vez no muro do cemitério da Consolação. Acho que nenhum outro lugar seria mais significativo. É ali, afinal que tudo se junta no fim das contas, o mundano, o sagrado, a mentira, a verdade, o sublime, o instinto, a beleza e o que apodrece. E o quando junta tudo, mistura tudinho na terra, me digam o que fica?