sexta-feira, 14 de agosto de 2015

"Pouca fantasia para não fingir"

Os anos que adquirimos com a idade levam nossas fantasias sabe-se lá para onde, mas ponho muita fé que para qualquer bodega não é. Me parece muito mais lógico e racional pensar que as fantasias não morrem em um abismo qualquer da nossa mente com o passar do tempo, mas habitam lugares desses que a gente sabe que existe, mas ninguém nunca viu. Certamente, as fantasias, ao encerrarem seu ciclo natural em nós, devem prontamente ir parar naquelas fazendas mágicas, onde vão os animais que sua mãe não explicou porque sumiram da sua casa, de repente, bem quando estavam velhinhos ou doentinhos. Devem talvez virar estrelinha, como querem as avós nas explicações para os netos de para onde vão nossos mortos. Imagino que as fantasias sejam cercadas de um cantinho acolhedor nessa atmosfera rarefeita que cerca os espaços do nosso esquecimento, de uma redoma de carinho, nessa aspereza amarga que paira na sala de estar da Dona Desilusão. Isso porque ando pensando muito que essa senhora está longe de ser essa mãe-chata-rabugenta-cruel que aprendemos a conhecer. Penso que, como os vários lados de uma mulher, a face mais interessante que a desilusão tem para oferecer a nossa alma pode ser admirada, saboreada, experimentada. Sei que minha forma ainda pequena de espírito não tem instrumentos suficientemente sofisticados para compreender os vão soturnos que desenham a desilusão, muito menos teria uma sensibilidade mínima que apreendesse seus sábios contornos. Mas, em algum lugar da minha também tímida inteligência de ser humano, algo me diz que há que se respeitar aquilo que desconhecemos e há que se deixar o desconhecido se aproximar de nosso campo magnético. Mais do que isso, suspeito fortemente que foi a desilusão que me levou, sem que eu me desse conta, pela mão, pelos vales mais espinhentos da solidão que recebe como bem-vinda a morte. Ouço sussurros então de que devo muito à desilusão, que um dia irei entender completamente porque devo agradecer a ela, com sinceridade no coração. Cada dia que passa tenho cá para mim que o amargo que a desilusão deixa na boca é como o amargor da cerveja: um paladar adulto vai encontrar um gosto de alívio nesse sabor.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

marias e madalenas

E sobre o estatuto do nacituro eu penso da seguinte forma: 1 - toda vítima de agressão merece ser amparada pelos amigos, família, sociedade, inclusive pelo estado. É preciso que se veja prioridades orçamentárias para qualquer medida que desembolsará auxílio financeiro. 2 - Se a vítima for de estupro e isso tiver como consequência uma gravidez caberia à vítima a decisão de manter ou interromper a gravidez e ambas devem ser acolhidas e respeitadas e acho justo que a vítima tenha todo o amparo, inclusive financeiro do estado. 3 - Caso a vítima opte pela manutenção do filho, seja pelo motivo que for, inclusive por suas crenças, religião, essa opção deveria ser respeitada. Se não muda nada para a mulher que decide não ter o filho, se seus direitos de não tê-lo continuariam assegurados, qual o problema da que decide ter o filho receber um auxílio financeiro para criar esse filho? E não vejo nisso um privilégio a quem preferiu ter o filho, pois o dinheiro não é para sustentar a mãe, mas a criança (que nesse caso não seria mais um óvulo fecundado). 4- Pelo que eu entendi, infelizmente, não é essa a proposta do estatuto. Mesmo que modificado, o projeto, apesar de não impedir que a mulher vítima de estupro aborte (a mulher que optar pelo aborto ainda é amparada pela lei), é concebido pro princípios que servem à favor da criminalização do aborto, a qual eu sou completamente contra. 5 - A possibilidade do auxílio financeiro vir do agressor deveria ser uma opção da vítima e não uma imposição de lei nenhuma. Eu imagino que seria mais sensível e humano mesmo é que a mulher agredida pudesse escolher o que ela achasse mais confortável, mais justo, ou simplesmente menos dolorido de lidar na forma como ela irá receber esse auxílio. 6 - Enfim, achismos (que podem mudar inclusive) à parte, quero dizer que ando lendo discursos inflamados por aí que não me fazem sentir que as conquistas e os direitos da mulher estão sendo realmente levados em consideração, que me parecem mais guiados pelo velho fundamentalismo que não aceita as diferenças do outro. Para mim, interessa que as vítimas sejam amparadas (e, apesar de achar um instrumento necessário à organização social, pouco me interessa a punição dos agressores - a ideia de justiça que costuma estar atrelada à punição não me atrai, não me explica e não me conforta). Interessa que as mulheres tenham seus direitos, sua saúde e sua segurança priorizados em relação ao embrião, feto, ou bebê que esteja em gestação. Interessa que as pessoas e, principalmente, as outras mulheres possam respeitar esses direitos e lutar pelo amparo das que são vitimas de agressão. Esse respeito, para mim, começa inclusive na hora de "lutar" por ele. Não entendo as ofensas gratuitas. O uso de expressões como "bolo de células" para falar do óvulo fecundado certamente deve deixar as mulheres que são contra o aborto, mesmo que seja pela sua religião, mais apavoradas ainda com a possibilidade de interromper uma gravidez. Ou seja, mulheres conscientes dos seus direitos, progressistas, libertárias respeitam o direito das suas iguais, "lúcidas" como ela. Deixemos de lado as que são machistas, conservadoras, religiosas e escravas da nossa herança patriarcal, é isso? Essas devem ser desamparadas, ou não ter o nosso respeito às suas crenças ou escolhas? Sou contra o estatuto do nascituro pelo seu princípio, por tocar num assunto tão delicado, como o amparo às vítimas do estupro, de forma tendenciosa, mais preocupada com a normatização de uma moral religiosa do que com garantir direitos e proteção de fato ao ser humano. Sou contra porque o estatuto é um retrocesso em relação a conquistas relacionadas à legalização do aborto, que se faz urgente. Sou contra também argumentos que consideram que dar um auxílio financeiro à mulher que é vítima de estupro e quer seguir a gravidez seria uma maneira de criminalizar as que decidem pelo aborto. E, principalmente, sou contra manifestações que estão mais preocupadas em gritar que estão certas do que em explicar, discutir, refletir sobre o que pode ou não favorecer à mulher, todas elas: marias e madalenas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

essa tal de liberdade

Um pensamento: aprendi desde muito cedo a usar minha liberdade (para o bem ou para o mal). Isso quer dizer que aprendi a usar e não a abusar. Tudo graças a minha mãe, que acreditou que eu podia fazer isso desde bem novinha mesmo. Como tudo na vida, essa aposta da doutora também teve seu preço (eu pago e ela também), mas eu digo a vocês que toda vez que eu vou tentar adentrar mais na natureza humana, especialmente a contemporânea (da minha geração, inclusive), eu penso que tenho um orgulho sem modéstia de estar pagando essa conta aí. Acho uma pena a herança do individualismo moderno que recebemos ter se tornado essa patética incapacidade do privado para dialogar com o domínio do público (e desconfio que vale um "e vice-versa" aqui). Em tempos de eleição essas considerações parecem ganhar ainda mais força, no entanto, podemos olhar ao redor, do nosso ladinho, nas mais íntimas relações, na mais próximas, nas mais familiares e as considerações continuam valendo, e como! Sem nenhuma intenção de fechar o discurso, de estar certa, me permitam apenas essa tentativa de conversa. Vou postar mais alguns links aqui relacionados.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ascensao-conservadora-em-sp/

http://palomaguedes.com/2012/09/24/onde-sao-paulo-vai-parar/

http://sociotramas.wordpress.com/2012/09/17/supermercados-de-gente/

E finalmente, obrigada, mãe!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

corações

Sobre esse mundo de desencontros e nossa busca quase quixoteana pelo amor, uma passagem hoje eu queria deixar registrada. Um amigo me falou de um projeto muito interessante dele que envolve arte digital, alguma matemática e, vejam só, amor. Eu tenho uma espécie de projeto também, só que é pessoal e mais se encaixa na definição de um hobby. Fotografo coisas em formato de coração que cruzam o meu caminho. E passei, aos poucos, a atribuir um sentido quase mágico a esse cruzamento do acaso com a minha interpretação, meu olhar que vê corações nas coisas do dia-a-dia. Até agora tenho dois: uma folha, em cima da qual eu pisaria por um milésimo de segundo e uma mancha de nódoa no meu único sobretudo preto, único que aguenta de verdade o frio paulistano. Voltando ao meu amigo, ele iria começar a me descrever o projeto e, não intencionalmente, a largada já foi uma metáfora muito apropriada para ambos projetos, o meu e o dele, assim como muito provavelmente para nossas vidas. E para a vida de quem não seria, me pergunto, melhor dizendo. Segue um trecho da conversa (sem nenhuma obrigação com a verdade, por favor):

VJ pixel: estou pesquisando corações


Juana: an???


Juana: ah, claro! eu tenho uma foto de uma folha em formato de coração, serve?


VJ pixel: estou procurando algo mais...

pixel

Vj pixel: mas pode servir pra outra coisa!

Vj pixel: digo, é uma boa coincidência que pode virar algo :) http://pinterest.com/vjpixel/pixel-art/

Juana: qd vc escreveu "pesquisando corações" achei engraçado pensar no sentido metafórico, pois talvez fizesse sentido pra vc tb...

Vj pixel: não havia pensado nisso

Juana: vou escrever sobre no meu blog, certo?

Vj pixel: sim!


E aí está, portanto. Linhas que incidem sobre outras que incidem sobre outras e assim vão, formando essa teia de pequenos encontros sobre amor, por amor, de amor, enfim...  
Um dia outro amigo querido me falou sobre uma pesquisa-brincadeira dele e outro amigo que se chamava "antropologia do amor". Certamente não me lembrarei aqui do que se tratava mesmo, mas lembro que ele me contou isso por um "encontro" também de pensamentos. Eu falava sobre minha hipótese do amor correspondido como a única possibilidade de amor na sua essência (essa daí eu deixo a explicação para outra hora, outro texto) e ele me explicou essa tal de antropologia do amor! Me lembro de ter sido legal falar disso, mesmo que estivéssemos na verdade sendo completamente ridículos, ou infantis, ou bobos mesmo. Era mais um encontro, dos tantos, dos raros, de amor!

"eles partiram por outro assuntos, muitos
mas no meu canto estarão sempre juntos, muito
(...)
qualquer maneira de amor vale o canto
qualquer maneira me vale cantar
qualquer maneira de amor vale aquela
qualquer maneira de amor valerá"
(paula e bebeto - milton nascimento)

domingo, 16 de setembro de 2012

drinkando

eu vinho, tu vinhas, ele vinha...

(só que não vem mais)

sábado, 15 de setembro de 2012

chame como quiser

(suspiros de sábado à noite)

Estou com uma leve dor de elevador. Meu pai deu esse nome a essa coisa que a gente sente que sobe e desce da garganta ao estômago, sabem? Mas ele costumava chamar isso de uma emoção que podia ser boa até. Ele dizia: "filha, quando eu te vejo chego a sentir dor de elevador". É tão bom lembrar disso... mas eu não estou sentindo uma emoção do tipo nessa minha dor de elevador. Só sei que sobe e desce, como elevador também. Mas não há nenhuma expectativa feliz nela, também nenhuma pista de melancolia. Tem alguma saudade, eu percebo. Um vazio onde a saudade pode caber direitinho, apesar de ser essa a emoção mais identificável no meio de centenas de outras que eu talvez não saiba o nome, ou talvez não tenham nome mesmo. Mas aperta e aperta. E falta. Falta demais. É falta demais! Já me perguntei se era só o buraco sem fundo que eu tanto já conheço. Aquele poço escuro cheio de eco que me é tão familiar. Dessa vez acho que não. Me parece mesmo é que algo muito importante, pelo qual eu tinha delicado afeto, me foi roubado. Nenhuma agressão constatada, mas a esperança que estava aqui ficou bem machucada. Um caso complicado, mas, vejam bem, suspeito quem seja o culpado. Sigo as marcas que ele deixou pois elas estão espalhadas em tudo que me tornei, por todos lugares que eu cheguei. Não quero prendê-lo ou confrontá-lo, muito menos colocá-lo no banco dos réus, isso não. Quero entender seus motivos, fazer dele meu amigo, perdoá-lo por todos seus crimes. Quero desvendar seus disfarces, permitir seus mistérios, nas esquinas onde ele se esconde, me encontrar. O nome dele eu não irei revelar pois tenho a convicção de que todos o sabem, preferem, no entanto, não pronunciar. Talvez pelo medo que ele se vá carregando os sonhos que cada pessoa ainda tinha para sonhar. Ele (ou será ela?), meu suspeito, há de um dia se confessar. Eu espero, eu torço, eu acredito. Esse dia fará sol e terá cheiro de limão. As casas estarão de portas abertas sempre e as pessoas cantarão juntas uma mesma melodia improvisada. Assim eu imagino.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

marcas

Senso comum e batido a idéia de que tudo passa. Ela me contou, no entanto, que quando aquele seu ex amor a deixou, ela se humilhou, implorou, chorou tudo o que podia chorar. Ele deu as costas, viajou, abusou e não mais assumiu como seu o amor que já tinha sido dela. Ela aceitou as migalhas, o pouco que ele lhe dava. Nesse meio tempo, ela conheceu alguém disposto a lhe dar mais. Algo, provavelmente, mais perto do que ela merecia (e digo isso porque não conheço de forma tão íntima o sentimento dos envolvidos). O ex amor ameaçado a procurou propondo até casamento! Sim, tudo passa. Muitas vezes só passa. Muitas vezes com essas reviravoltas surpreendentes. Mas o eco que ficou na minha cabeça, por dias, depois de ouvir a história dela, foi a súplica que ela fez, no auge do seu desespero, ao ouvir do seu analista a sentença de que aquela dor passaria: "me diga um dia, uma data, um prazo..."