Ontem estávamos tomando nossa cerveja de final do dia num boteco chamado Violeta, na Augusta. O Violeta não é um pé sujo, nem um famoso, não é dos que parecem vender frango que o gato lambeu, isso não, mas vende cerveja (nacionais) em garrafa das baratas até as mais caras e tem pratos fartos na relação com o preço e petiscos mais em conta também. Nada é maravilhoso no Violeta, nem nada é ruim. Lá pela segunda garrafa, entra no recinto uma garota. Morena, mulata, se eu me lembro bem, de corpo e traços bem desenhados, roupas que mais lembravam as profissionais do sexo que rodeiam a região, mas também nada tão estereotipado: um vestido curto e um bojo nos seios. Ela tinha os cabelos desengonçadamente presos, provavelmente vinte e poucos anos, uma tranqüilidade feliz no rosto. Bonita, bem bonita e alta. Ela pede um lugar em frente à nossa mesa. Ela encontra alguém nessa mesa. Com essa pessoa ela conversa animadamente. Risos de cumplicidade, pausas de ouvinte interessada, às vezes pausas de ouvinte distraída também. Ela pede o cardápio, escolhe sua comida, pede opinião a sua companhia. O prato chega e ela tem uma voracidade graciosa ao fazer sua refeição. Nenhum solavanco, nenhum tropeço, nada em seu desenrolar de gestos e interação com o ambiente era exagerado ou escasso. Ela fluía no espaço, no sotaque gaúcho discreto que pedia ao garçom algo que ele não tinha trazido, na conversa que entoava sem nenhuma dificuldade, ou afetação. Ela poderia ser uma de nós que na mesa em frente tomávamos nossa cerveja, comíamos nosso petisco e conversávamos sobre nossas vidas, nossos amores, nossas dores, nossas cervejas, nossas insanidades até... Ela poderia estar conosco na nossa mesa, com aquele mesmo semblante de amiga com o qual ela, na mesa em nossa frente, tinha uma conversa alegre e descomprometida com sua companhia que ela, e só ela, via. Enquanto nós conversávamos sobre nossos assuntos, tentando esquecer que éramos incapazes de ver o que ela via, sentir o que ela sentia, agir como ela agia, mesmo ela tendo a nossa mesma idade, o nosso mesmo tipo, no mesmo lugar que nós e podendo simplesmente estar ali, conversando conosco, em vez do seu amigo invisível.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Uma história real
domingo, 8 de novembro de 2009
E se tudo for por acaso?
Em 1993, no final deste ano, estudando, ou melhor, freqüentando um curso para o vestibular de medicina e comunicação, conheci a turma que seria minha por mais um longo tempo e da qual fazia parte meu futuro primeiro e ex-namorado. I. tinha entrado para faculdade de Engenharia, UFBA. Era um informal gênio da física e tinha uma certa habilidade matemática também (o suficiente para ajudá-lo a ser o tal gênio em física). Não me interessei em nada por ele, quando o conheci. Nada nele se parecia com o que costumava me atrair em um garoto (tínhamos 19 anos na época). Mas ele se apaixonou por mim e, apesar dele não exercer nenhum efeito amoroso em mim, os sentimentos que ele deixou eu pensar existir nele foram arrebatadoramente apaixonantes, no meu caso. Isso não tem nenhuma importância na história, a não ser pelo fato que eu preciso deixar claro que a escolha de namorá-lo era a mais remota possível. Assim o fiz. Namoramos durante cinco anos e somente assim conheci aquele que foi meu futuro marido. A., meu futuro ex marido, era amigo distanciado de I. da época do colégio (ensino médio). A. pertenceu a turma de I. em um momento na época da escola, mas logo conheceu o rock, entrou em uma banda e deixou esta turma, da qual I. fazia parte, de lado. Mesmo assim, nos encontramos certo dia, por acaso (?), em um bar, eu namorando I. e A. com uma namorada (coincidentemente (?) o seu primeiro namoro mais sério também). Achei um casal simpático. Diferente dos amigos que I. costumava andar e que, normalmente, me deixavam, a cada tempo que passava, mais e mais entediada. Achei A. muito atraente e interessante, mas isso não foi nada que me tirasse o sono, por exemplo. Só uma constatação. Eu ainda acreditava amar meu então namorado I. e nesse tempo, amar para mim significava “só ter olhos para”. Depois de terminar o namoro com I. e me entregar a uma paixão bandida e impulsiva por uma outra pessoa (outro I. inclusive) que obviamente não durou mais do que seis meses de um caso “torto”, passei quase um ano completamente solteira. Estava realmente muito à vontade em minha nova situação quando uma festa que não deu certo me levou a outra que eu quase não ia. Por razões altamente adversas, A. estava nessa festa, no rock’n rio, chamada “Noite das Arábias” (para quem o conhece, sua presença em tal lugar parece ainda mais surreal). Lá estava também um caso fixo meu do momento. G., o tal caso, queria namorar e eu não. Nessa festa, G. resolveu desencanar de mim e arranjou outra garota para ficar. Eu, com um certo ciúme (posse, na verdade) de G., não nego, dei meu jeito de ficar com A. (que eu já tinha achado interessante, como vocês viram, há tempos atrás). Quando viu o ocorrido, G. me ligava insistindo em ir me esperar na porta de casa. Fato totalmente irrelevante também, a não ser para vocês perceberem que eu poderia ter, nesse momento, resolvido namorar com G. então. Mas fui ficando com A. e a coisa foi ganhando outra dimensão. Namoramos um ano, casamos, papel, igreja e ficamos mais quatro anos juntos. No final do nosso casamento, A. veio a São Paulo, conheceu e ficou amigo do meu atual namorado e pai do meu filho. Ainda casada com A., ele me contou que tinha conhecido Martin, que tinham conversado muito e que ele (Martin) havia se separado recentemente da então mulher (também o primeiro relacionamento sério, de morar junto - casar né?- de Martin). Passou uns meses eu e A. nos separamos. Passaram-se mais seis, sete meses e eu conheci Martin porque resolvi numa noite sair com a A. e sua atual (na época) namorada para nos conhecermos melhor. Nessa noite A. estava dando uma de cupido para Martin e a então cunhada dele. Eu andava tendo um caso com um amigo que mora no Rio. Martin poderia ter ficado com a irmã da namorada de A., mas não ficou. Eu poderia não tê-lo conhecido se, por motivos óbvios, não quisesse sair com meu ex-marido e sua atual namorada para estreitarmos laços. Neste dia pensei que Martin era alguém com quem eu gostaria de ficar. Passaram-se mais alguns meses e outro ponto no destino, outra obra do acaso, ou mais uma coincidência feliz, nos encontramos em um show da Lisergia, na Zauber. Ele estava em Salvador para tocar no festival de verão. Ali engatamos nossa primeira conversa pré-namoro, puxada pela notícia de que A. estava esperando um neném, junto com a namorada. Assim como Auster eu poderia escrever “Que coincidência (...) Minha vida tem sido repleta de acontecimentos curiosos como esse (...) O que há com o mundo que não para de me envolver em todo esse absurdo?”. O caderno vermelho tem histórias ligadas com muito mais detalhes que as minhas, mas tenho certeza que se eu procurar encontro mais um monte de detalhes nas minhas também. O que sobra é a noção de que onde eu estou hoje só foi possível com exatamente tudo que eu vivi antes e assim, provavelmente, será para toda minha vida; o que espanta é que tudo poderia ser diferente com uma simples e, na maioria das vezes, pequena mudança de planos; o que é mais curioso é a sequência de coincidências que une cada um desses caminhos escolhidos. “Do you believe that there’s some one up above? And that He has a timetable directing acts of love?” – (PULP, Something Change). Tem um novo livro de Maffesoli que eu ainda não comecei, mas o título é “O ritmo da vida”. Não sei porque intuo que nele tenha algo que caiba bem neste assunto. Paul Auster encontra, em seu caderno vermelho, uma espécie de resposta quando sua filha entoa uma canção, no conto de conclusão do livro: “it don’t mean a thing if it ain’t got that swing”. Para mim, a idéia parece atraente, que acham?